Ilhéus, 21: Vista geral da cidade na década de 60
Quinta-feira, 24 de janeiro de 1946. São cinco horas da tarde e os bancários de Florianópolis se dirigem ao sobrado da rua dos Ilhéus, 21. Nenhuma brisa ameniza o calor. Há uma certa tensão no ar. Os bancários do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco estão em greve desde o início da manhã. Exigem do governo a assinatura de um decreto para instituir o salário profissional, baseado no acordo assinado com os banqueiros em setembro de 45. Outras categorias, como petroleiros e operários da indústria, preparam greves semelhantes em todo o país, contra a carestia.
Detalhe da antiga sede do Sindicato, na esquina das ruas Ilhéus e Anita Garibaldi, demolida para a construção do Ed. Itacolomi, sede da diretoria do Besc
O novo presidente do sindicato, Theodoro Miroski, declara aberta a sessão e passa a palavra a Sebastião Vieira. O bancário era um conhecido militante, que em 35 estivera no núcleo da articulação da Coligação dos Sindicatos e dez anos mais tarde ajudara a fundar o PCB na Capital. Muito respeitado pela categoria, Vieira defende as orientações do Comitê Nacional de Coordenação do Movimento, que havia deflagrado a greve na véspera, numa assembléia que reunira 6 mil trabalhadores no Rio de Janeiro. A tensão cresce, porque os bancários querem saber detalhes sobre o movimento, que só chegam por rádio.
Estafetas batem à porta da entidade trazendo mais telegramas bancários do interior, pedindo mais informações ou hipotecando solidariedade ao movimento. Miroski conduz a assembléia à votação e o resultado é unânime: greve.
Depois do fim do Estado Novo, o governo do presidente e leito Eurico Gaspar Dutra (PSD) enfrentava a forte demanda sindical por liberdade de atuação e novos direitos trabalhistas. Dutra fora eleito com 3.235.530 votos, derrotando o brigadeiro Eduardo Gomes, que recebera 2.029 .886 votos, conforme o resultado oficial divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 28 de janeiro de 46. As tropas brasileiras já haviam voltado para casa, vitoriosas nas batalhas da Segunda Guerra Mundial de que participaram, e o mundo inteiro parecia mover-se no ritmo da reconstrução. "Durante a guerra, os trabalhadores viram-se transformados em "soldados da produção", na democratização do país era preciso "apertar o cinto" para combater a reação e agora era a vez de "produzir mais e melhor", porque o imperialismo ianque estava prestes a devorar nossa indústria", ironiza Hélio da Costa, em seu livro Em Busca da Memória.
Antes mesmo de empossado, viu os trabalhadores nas ruas, querendo menos sacrifícios e mais direitos. O movimento arrancava apoios (ainda que tímidos) de órgãos tão governistas quanto o jornal O Estado, ligado ao PSD, partido do presidente e de seu líder no Congresso, o deputado e ex-governador Nereu Ramos. No domingo, 27, o Estado foi às bancas com a manchete exclamando: "Multiplicam-se as greves - Alteiam-se os protestos contra a carestia.
Classes inteiras reivindicam direitos em face das aperturas da vida. Para onde vamos? Cruzar os braços e deixar correr tudo nas franquias democráticas, enquanto o merceeiro majora as contas do caderno-da-venda e o lojista remarca os preços da camisa, do calçado, do brim e da casimira!..."
1946 - Chester Carlson inventa o xerox, o francês Louis Léard inventa o biquini e os americanos J. Presper Eckert e John W. Manchly criam o computador eletrônico
Quarenta mil bancários cruzaram os braços, na greve de 1946 - entre 24 de janeiro e 11 de fevereiro. O salário mínimo profissional era um item integrante das pautas de negociação da categoria desde 1935. Diferenciava-se em uma escala, conforme os cargos e as regiões do país (veja na tabela).
Sebastião Vieira escreveu a O Estado de 26 de janeiro um manifesto em que relatava os insucessos das negociações com a comissão dos banqueiros e concluía: "Deu-se o inevitável: a greve estourou em todo o Brasil e a coesa classe bancária (...) aguarda agora seja resolvida a questão das suas reivindicações, não mais com a morosidade (...) mas com a premência assustada das horas angustiosas que passam e que tantos males acarretarão aos meios financeiros do Brasil".
A greve deixou em pânico os 200 banqueiros que integravam a comissão de negociação do patronato. Principalmente porque firmava-se sob a poderosa unidade de classe, sob a revolta fermentada nos locais de trabalho. A maior parte da direção sindical, ligada ao PCB, vivia uma situação extremamente delicada. "Era preciso, então, uma certa ginástica política, na medida em que o PCB, além de estar à frente de greves de grande vulto, como a greve nacional dos bancários, defendia o seu exercício de forma irrestrita no Congresso Constituinte e, ao mesmo tempo, se colocava como aliado do governo Dutra, que combatia ostensivamente as greves que pipocavam desde a sua posse", afirma Hélio da Costa. As greves que aconteceram no início de 46 mostraram que os trabalhadores tinham· autonomia frente às orientações partidárias.
A imprensa vê as greves: Em 46, O Estado dá destaque às lutas contra a carestia. E A Gazeta faz uma previsão - em 96, os homens viajariam à Lua em 90h
A meio caminho da conclusão da greve, os jornais exibiam os embates políticos e ideológicos que cercavam as negociações. No dia 6 de fevereiro, O Estado publicava dois apelos bem distintos. Um era do secretário estadual do PTB, aliado do PSD de Dutra: "Abstenhamo-nos de greves, enquanto a vida econômica da nação não comporta paralisações! As greves, embora representem um apelo extremo de classes injustamente sacrificadas, nos momentos como este, só agravam os nossos males (...) Não há dúvida de que o padrão de vida do nosso proletariado já quase não lhe permite nenhum esforço além do que se está fazendo, mas a nação exige sacrifícios ainda maiores".
Noutra página, o bancário Oldemar Magalhães, que anos depois viria a ser presidente do sindicato, queria outra divisão dos "sacrifícios": "É natural e mesmo inevitável que haja relutância por parte dos banqueiros que, por índole ou temperamento, em nada queiram ceder a nosso favor, principalmente quando esse ato de justiça venha em detrimento de alguns átomos que compõem parte relativamente insignificante das suas incalculáveis fortunas. (...) Sou contra as greves por princípios doutrinários, não obstante justificá-las, nas mais das vezes, como quem justifica um crime".
A democracia era novidade no país. E nem sempre era seguida. A greve terminou em intervenção federal em alguns sindicatos, como o do Rio de Janeiro.
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