Greve de 1985 - Largo da Catedral
O ocaso do império de Ilson Dias fora anunciado nas eleições de 1983 e consolidou-se como tempo. Mais que a vontade coletiva da categoria, articulada em torno de novos representantes,fatores estruturais e políticos impulsionaram a gênese de uma oposição efetiva, duradoura e, por fim, vitoriosa.
Em novembro de 1979, Florianópolis marcou o retorno aos tempos de resistência com uma manifestação popular contra o governo do presidente-general João Baptista de Oliveira Figueiredo. Concentrados em frente ao Palácio Cruz e Souza, os manifestantes vaiaram o homem que preferia o cheiro do cavalo ao do povo, o governador Jorge Bornhausen e o ministro César Cals. Depois, Figueiredo levaria para Brasília uma lembrança de seu breve contato direto com a população: um tapa na orelha, sete estudantes foram presos e a novembrada ficou para a história.
Os núcleos de resistência política na cidade tinham uma base notadamente acadêmica: eram localizados nos setores da Universidade Federal e na categoria dos professores estaduais, organizados pela Alise. Outros trabalhadores de classe média começavam um processo de mobilização que levaria ao rompimento com o peleguismo - caso dos eletricitários e dos servidores públicos estaduais.
A campanha pelas Diretas-Já e o processo de abertura - embora caracterizado pela transiçãotransada, na expressão de Galeno de Freitas - reavivaram na população o gosto da democracia e da participação. A criação de novos atores políticos como o Partido dos Trabalhadores (em 1978) e a gênese de movimentos populares e sociais completaram o cenário de efervescência.O Sindicato dos Bancários de Florianópolis começaria a mudar de face em 1985, na primeira greve nacional da categoria após a ditadura militar. Nos anos seguintes, ganharia corpo um movimento para mudar a diretoria da entidade, na esteira da experiência renovadora iniciada no final da década anterior no ABC paulista. O "novo sindicalismo" começava a fazer história em Florianópolis.
Nasce o MOB
O cenário era um bar que já não existe mais, no centro da Capital, onde as pessoas se reuniam de vez em quando para derrubar cervejas, a ditadura, e encontrar soluções para os problemas do planeta. Foi assim que, nos primeiros dias de dezembro de 1985, no Peculiar, um boteco no alto da avenida Rio Branco, das idéias de exatos sete trabalhadores, nasceu o Movimento de Oposição Bancária.
Lançamento do MOB em 17 de abril de 86
A gênese do MOB se encontra, entretanto, noutro palco. Meses antes, os bancários realizaram a primeira greve nacional da categoria depois da ditadura militar. Em Florianópolis, o Sindicato mantinha a prática de convocar assembleias sem alarde. No início de setembro, o indicativo de greve nacional já havia se espalhado nas agências de todo o país e, de boca em boca, o anúncio da assembléia no auditório da Prefeitura da Capital. Mais de 400 bancários lotaram o local, na maior assembléia em duas décadas. Na manhã seguinte, dia 10, os bancos sentiriam pela primeira vez o significado de ter de ficar de portas fechadas. A paralisação, que deve grande parte de seu sucesso à espontaneidade da organização dos trabalhadores, se estendeu até o dia 12.
Foi a primeira greve rigorosamente comandada por uma nova geração de lideranças, que começava, ali, a mudar a história do Sindicato. A assembléia que deflagrou a greve elegeu um comando que, à revelia da direção da entidade, foi responsável pela condução da greve - e herdou parte das glórias da vitória. O preço pago pela gestão de Renato Ghellere foi alto: a partir dali e até maio de 1987, o Sindicato teria uma espécie de diretoria paralela.
O núcleo que geraria o MOB passou a ser integrado por bancários da Caixa Econômica Federal só depois da famosa "greve das seis horas", de 30 outubro de 1985. A greve de setembro tinhapegado o pessoal da CEF de surpresa. Cumprindo jornada das 8h às 12h e das 14h às 18h, sóforam ,saber da greve no intervalo de almoço.
Empregado da Caixa, naquela época, não era considerado bancário - era "economiário", trabalhava oito horas e não gozava dos mesmos direitos da categoria. A luta pela equiparação dos direitos teve suas raízes no movimento dos escriturários básicos, que a partir de 1982 se organizaram em oposição a uma tentativa da empresa de rebaixar o piso, contrariando o Plano de Cargos e Salários. Anos depois, já com mais tempo de Caixa, os EBs (que somavam cerca de 16 mil trabalhadores em todo o país) fermentaram as manifestações pela jornada de seis horas e direitos comuns aos bancários.
Em 30 de outubro, a passeata dos trabalhadores da Caixa no centro da Capital foi precedida do rugir das máquinas de dezenas de motocicletas. Depois dessa greve, o MOB ganhou ainda mais força e organicidade. Naquela noite no início de dezembro, se encontraram no Peculiar sete mosqueteiros: Samuel Pantoja Lima, Edson Bender, Ivan Jairo Junckes, José Rui de Souza, Renato Nodari e Alberto Groismann (Banco do Brasil) e Vanio dos Santos (Caixa Econômica Federal). Eles se reuniram para fazer um balanço das greves de setembro e outubro e decidir o que fazer em seguida. O resultado foi o primeiro boletim do Movimento de Oposição Bancária, lançado com o apoio da diretoria do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, e a disposição de constituir uma estrutura paralela para dirigir autonomamente a categoria.
O núcleo inicial do MOB, como se vê, era composto de bancários de instituições federais e por razões muito sólidas: a rotatividade e o risco de demissão eram, como hoje, uma constante entre os bancos privados; no Besc, grande parte dos novos empregados fora contratada em julho de 1985 sem concurso, a partir de um esquema escandaloso de indicações por políticos do PDS -incluindo o governador do estado, Esperidião Amin e a primeira-dama, Angela.
Em março de 1986, num debate no plenário da Assembléia Legislativa com a presença do diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz Azevedo, foi lançado oficialmente o MOB. O Movimento já havia se estruturado: se estabelecera numa sala do edifício Franklin Cascaes, na rua Vida! Ramos, dispunha de telefone e secretária e arrecadava contribuições mensais da categoria, através de carnês. Assim, por fora da máquina sindical amarrada aos laços do assistencialismo, o MOB comandou as campanhas de reivindicação e greves de setembro de 1986 e março de 1987 - esta, já em plena campanha eleitoral. O MOB cresceu porque viu que devia trabalhar com a categoria em momentos chave.
Assumindo o risco de perder, a nove dias da eleição estava comandando uma greve, enquanto a diretoria do Sindicato não fazia nada, lembra Samuel Pantoja Lima, presidente do Sindicato em duas das três primeiras gestões que sucederam o império de Ilson Dias.
CUT - de oposição a direção
A chapa do MOB que concorreu às eleições para a diretoria do Sindicato foi eleita em convenção no auditório da Federação dos Comerciários, em março de 87. Mais de 200 bancários participaram da decisão. Samuel Lima foi escolhido o candidato a presidente e, dali, saíramas orientações que levaram à vitória. É de se destacar a presença significativa de bancários da rede privada, organizados clandestinamente diante da possibilidade de demissões, como já ocorrera na OSB.
Nas eleições de 22, 23 e 24 de abril, o MOB recebeu 2.258 votos, contra 645 da chapa da situação, 30 brancos e 52 nulos. A vitória foi comemorada em sucessivas madrugadas em bares que, como o Peculiar, já não existem mais. Um deles, o Bar Canal, naufragara na onda de falências provocada pelo fracasso do Plano Cruzado. A notícia fora anunciada sem discrição para toda a categoria, quando seu proprietário, o ex-diretor do Sindicato, José Rui de Souza, levara a porta do bar nas costas à assembléia dos bancários realizada no plenário da Assembléia Legislativa, no início de 1987.
A posse ocorreu no dia 28 de maio. Da condição de oposição-direção paralela à de direção efetiva do Sindicato, havia um universo inteiro a superar. A entidade era uma sucursal do INPS, com todo o orçamento comprometido com barbearia, farmácia e assistência médico-odontológica. Financeiramente, a gestão do Sindicato era um desastre: um hospital falido.
Politicamente, carregava a herança do atrelamento ao Estado. Uma herança que, para lá dos vínculos de seus ex-dirigentes, repercutia na forma de cada bancário julgar seu Sindicato e envolver-se na ação política.
A primeira providência do MOB foi contratar uma auditoria sobre as contas da entidade. Nenhuma irregularidade na gestão dos recursos dos bancários pôde ser comprovada, apesar das denúncias de Anísio Simas em 1984. Havia indícios da possibilidade de formação de um caixa dois através da remessa de recursos para o CCDB, mas, se houve crime, foi perfeito.
O MOB desencadeou um processo de denúncias contra as gestões anteriores, em assembleias e outros espaços de decisão da categoria, enfatizando a crítica sobre a prioridade dada ao assistencialismo. Por outra parte, a categoria aprovou uma alteração na folha de contribuição sindical - de um valor fixo na moeda corrente, para percentual sobre o salário -, que permitisse previsibilidade e saneamento da estrutura financeira.
Essas ações indicavam uma mudança de procedimento que se confirmaria nos anos seguintes, apontando para a gestão democrática do Sindicato. A prioridade deixou de ser o atendimento médico e barbearia para se concentrar na estruturação de seis departamentos-chave para o novo paradigma de atuação: formação sindical, imprensa, cultural, finanças, jurídico e sócio-econômico (representado na criação da sub-seção do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos - Dieese).
A ação política foi democratizada. As assembleias passaram a ter ampla divulgação e eram convocadas para horários e locais em que a categoria poderia comparecer. A diretoria do Sindicato passou a ter presença permanente nos locais de trabalho, incentivando a representação direta dos trabalhadores, através de delegados sindicais.
Em 19 de novembro de 87, seis meses após a posse, a nova diretoria contabilizava 774 sindicalizações - 128 por mês, 32 por semana ou seis por dia. O desafio era dar ao Sindicato o caráter de classe, de massa e de base defendido pela Central Única dos Trabalhadores.A decisão dos bancários de Florianópolis de filiarem seu Sindicato à CUT viria em 30 de novembro de 1988, como resultado de um amplo processo de debates com a categoria.
Precedida por um plebiscito e por farta divulgação de informações sobre as centrais existentes na época no país, a assembléia especialmente convocada para a decisão foi bastante tranquila. Apenas um bancário se absteve. Mais do que uma demonstração de convicção política, é provável que a aprovação à filiação à CUT se constituísse num voto de confiança na prática política da nova diretoria.
As decorrências desta opção foram imediatas. A oposição à estrutura sindical oficial representada pelas diretorias da Federação dos Bancários e da CONTEC vinha desde o início do mandato. O Sindicato se desfiliou da FEEB na mesma assembléia de filiação à CUT e deflagrou um processo que levaria à criação do Departamento Estadual dos Bancários da Central Única dos Trabalhadores, em 1990.
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