O filósofo alemão (1892-1940) escreveu uma vez que "articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'como ele de fato foi'. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo". A própria frase tem um sentido místico, se lembrarmos que foi escrita poucos meses antes do suicídio de Benjamin, foragido na Catalunha e ameaçado pelo avanço das tropas nazistas. Aplicada à publicação que colocamos em suas mãos, é ao mesmo tempo uma explicação e uma justificativa.
Esta revista foi feita para desafiar o tempo. Sessenta anos depois de sua fundação, até meses atrás não havia registro sistemático da história de uma das maiores entidades sindicais de Santa Catarina, o Sindicato dos Bancários de Florianópolis e Região. Tudo o que restava era um papel furado pelas traças, amarelecido e manchado, com a seguinte inscrição:
"O Ministro do Estado dos Negócios, do Trabalho, Indústria e Commércio, em nome do Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil: Faz saber a quantos esta Carta virem que, attendendo ao que requereu o Syndicato dos Bancários de Santa Catharina, com séde em Florianópolis, Estado de Santa Catharina, resolveu approvar os respectivos estatutos
e reconhecel-o como syndicato profissional de empregados, por despacho de 13 de novembro de 1935, proferido no processo D.N.Tn. 18830, 1935, nos termos da legislação em vigor. E, para firmeza, mandou passar a presente Carta, que vae por elle assignada. Rio de janeiro, 4 de Janeiro de 1936".
Esta revista traz mais detalhes. Dois objetivos inspiraram a nossa iniciativa.
Contar a história do sindicato desde sua origem, mostrando sua evolução sob diversos ângulos. E mostrar a importância da organização dos trabalhadores para reivindicar melhores condições de emprego e vida.
O resultado final é um trabalho necessariamente parcial: muita coisa se perdeu com o passar dos anos. Atas e registros oficiais da entidade são fragmentados; sistematicamente, existem apenas da década de 80 para cá. Há uma lacuna da fundação até 1957, da qual não há qualquer registro. Na Delegacia Regional do Trabalho, foi possível obter os escassos documentos da época. No órgão, que até 1987 recebia requerimentos regulares para autorizar as movimentações mais banais da vida da entidade, pouco resta de informações úteis. Lá nos avisaram que, durante a ditadura militar, encarregaram-se de apagar a história sindical.
Gente muito mais autorizada que nós reconhece que "infelizmente, não tem sido muito freqüente, na historiografia catarinense, abordagens acerca dos movimentos dos trabalhadores". E o que dizem Joana Maria Pedro e Maria Bernardete Ramos Flores, organizadoras de um livro recente, com a história do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis. "Os historiadores e outros pesquisadores estiveram muito mais atentos às perspectivas das empresas e dos empresários em suas múltiplas iniciativas (. ..) do que com a perspectiva dos trabalhadores".
Esta publicação tenta superar tais dificuldades resgatando documentos,
imagens e declarações de alguns bancários que, de alguma forma, ajudaram a construir a história do Sindicato. Uma história que começa com as primeiras reuniões de um punhado de bancários que tomavam conhecimento do mundo através do rádio. Segue em fases que
alternam momentos de combatividade e democracia com épocas obscuras, de ação puramente assistencial. E termina com os esforços da categoria em enfrentar de igual para igual um patrão cada vez mais organizado e poderoso.
Coletadas nos últimos oito meses, as informações não foram, em hipótese
alguma, esgotadas. O resgate da história da entidade continuará com as contribuições da memória dos leitores e dos indivíduos que se dispuserem a ceder mais informações. Como diria Benjamin, esta revista provavelmente não permite conhecer o passado "como ele de fato foi". Mas sem dúvida constitui-se sobre a apropriação de reminiscências relampejantes. São 60 anos de momentos de perigo, de avanços e recuos, de uma história construída pelos trabalhadores.
Destas páginas, escorrem luzes na direção do amanhã. Num mundo de
transformações cada vez mais céleres, o tempo parece fugir de nosso controle. A revista, ao resgatar seis décadas de passado, nos põe diante do desafio de pensar o futuro. Uma tarefa que é de todos nós, que construímos a história todos os dias.
A Diretoria do Sindicato dos Bancários de Florianópolis e Região
GESTÃO MOVIMENTO, CIDADANIA & LUTA
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